Não é necessário ser historiador ou estudioso das ciências
sociais para dar-se conta que as mudanças, a exemplo das espigas e das flores,
das plantas e dos edifícios, se levantam do chão. Não descem magicamente do céu
ou dos tronos estabelecidos, mas mergulham suas raízes da terra úmida e escura
dos embates, tensões e conflitos de interesses humanos. Especialmente depois da
Revolução Francesa (1789), das manifestações estudantis em várias partes do
mundo (1968) e, mais perto de nós, dos episódios que marcaram o impeachement do
ex-presidente Fernando Collor (1992). Três ingredientes de peso formam o pano
de fundo para as transformações estruturais de caráter socioeconômico e político:
a)
um mal-estar generalizado (O mal estar da civilização, escreveu S. Freud nos
anos de 1930); b) a presença e a pressão da população nas ruas; e c) o peso e
estímulo de uma juventude crítica e rebelde. Essa tríade no seu conjunto
contribui decisivamente para o sonho, antigo e sempre novo, de um projeto
popular para o Brasil.
Prova disso tem sido a trajetória das mobilizações
populares relacionadas ao Grito dos Excluídos ao longo de suas repetidas
edições, desde 1995. Quanto ao primeiro ingrediente, é amplamente conhecido e
notório o mal-estar crescente da população com o aprofundamento da crise do
sistema capitalista, de filosofia neoliberal, particularmente a partir do
início da década de 1970. O descontentamento generalizado se manifesta, de
início, com a força viva e simbólica das Comunidades Eclesiais de Base e da
Teologia da Libertação, com o surgimento dos movimentos e pastorais sociais,
com as manifestações estudantis e o sindicalismo combativo, com a abertura
democrática
no início da década de 1980, além de outras organizações de base... Mais tarde,
o sonho de mudança volta à carga nos debates amplos e plurais das Semanas
Sociais Brasileiras (SSBs), dos plebiscitos e assembleias populares, da
Campanha Jubileu Sul e em tantas outras iniciativas do gênero. Não é à toa que,
justamente em meados da década de 1990, nasce o Grito dos Excluídos tendo como
espinha dorsal o tema da Vida em primeiro lugar.
O segundo ingrediente dispensaria maiores
comentários se não fizesse parte do lema que orienta a 20ª edição do Grito dos
Excluídos, em 2014: “Ocupar
ruas e praças por liberdade e direitos”. O ano de 2013 proporcionou um
vasto mosaico de manifestações populares em todo o território nacional, as
quais retornam com insistência no curso deste ano. Apresenta-se com energia
juvenil e veemência profética a exigência do “padrão Fifa” não só para
estádios, infraestrutura e eventos da Copa do Mundo ou das Olimpíadas, mas
sobretudo para os direitos básicos da população de baixa renda: terra e trabalho,
educação e saúde, transporte e segurança, alimentação de qualidade, entre
outros. Direitos que se traduzem em condições reais de existência digna e de
liberdade. Uma vez mais, reaparece o sonho ou a utopia da “vida e vida em plenitude”,
como se lê nas páginas do Evangelho (Jo 10,10), com referência ao Reino de
Deus. Horizonte de um passo decisivo que vai da exclusão à inclusão social em
todos os níveis e graus.
Por fim, o terceiro ingrediente das mudanças sociais reconhece o
oxigênio primaveril dos jovens como fator preponderante, sangue novo num
organismo social e político carente de uma verdadeira transfusão de valores
novos e renovados. Assim, o lema da 19ª edição do Grito de 2013 – Juventude
que ousa lutar constrói o projeto popular – mantém-se de pé no
processo de preparação do Grito deste ano. Resumindo, mal-estar social,
juventude crítica e ativa e ocupação de ruas e praças, quando conscientes,
reunidos e organizados, constituem três temperos de uma mistura explosivamente
positiva na construção de um projeto popular para o país, na linha dos debates
da 5ª SSB. Parafraseando o clima de expectativa em vista da Copa do Mundo, não
basta assistir das arquibancadas o desenrolar do jogo: é necessário entrar em campo –
“ocupar as ruas e praças” – e participar de forma patrioticamente ativa nas
decisões sobre um futuro justo, solidário, sustentável e fraterno.
Coordenação Nacional – Jornal do 20º Grito dos
Excluídos
QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA ACONTECER!