Tráfico humano: a vida religiosa se faz
presente nas periferias existenciais
Um dos desafios que todo cristão tem que enfrentar é se fazer presente no
meio daqueles que a sociedade ignora, rejeita, tira proveito, explora... É o
que o Papa Francisco chama de “periferias existenciais”, onde cada vez habitam
mais pessoas. Entre aqueles que fazem parte dessas periferias estão aqueles que
sofrem exploração sexual, quase sempre mulheres, muitas vezes minores de idade,
que são submetidas a este tipo de abusos, com a aprovação de uma sociedade que
se cala por medo, por falta de compromisso, por interesse... ou por muitos
outros motivos que mostram a necessidade de que as coisas mudem.
Para tentar que a situação seja diferente, em 2006, a Confederação dos
Religiosos Brasileiros (CRB), criou a “Rede um grito pela Vida”, com o objetivo
de combater o tráfico de pessoas. Espalhada em quase todos os estados do país,
está constituída por 250 religiosos e religiosas de diferentes congregações que
se articulam em núcleos, tentando ser uma voz profética para a sociedade
brasileira.
De fato, na sociedade falta essa consciência que faça possível esse crime
da exploração sexual e do tráfico de pessoas, também para o comercio de órgãos
ou o trabalho escravo ou em condições degradantes, onde são envolvidas muitas
crianças dos chamados países do Sul.
Até em alguns setores da própria Igreja Católica, a rede encontra muitas
vezes a falta de interesse para realizar esse trabalho de conscientização. É
verdade que a Campanha da Fraternidade de 2014, que abordava esta temática,
ajudou a ter maior consciência e a atenção para com estas pessoas tenha
melhorado, mas sabendo que ainda tem um longo caminho para percorrer, como
mostram as estatísticas em referencia a quem é atingido por esta lacra social.
A partir de um trabalho em parceria com diferentes organizações, a rede
pretende prevenir este tipo de situações, realizando um trabalho de informação
com adolescentes e jovens, que são as possíveis vítimas. Tudo isso a partir da
reflexão e o estudo que ajude a entender as causas, instruindo as pessoas que
possam ajudar no combate da exploraç4ao sexual e mobilizando a sociedade para
ser cada vez mais sensível diante desta problemática. Alem disso, promovendo a
elaboração de políticas públicas que possam ajudar no combate deste mercado do
crime organizado.
O problema da exploração sexual é comum no Brasil todo, mas é acentuado nas
regiões Norte e Nordeste. Um informe recente da Policia Rodoviaria Federal
constata a existência de quase 2.000 pontos de exploração sexual nas margens das
rodovias federais brasileiras, o que demonstra que o problema é conhecido,
mesmo que as soluções não apareçam.
Um dos pontos onde este problema está presente é Manaus, como constatam
Eurides Alves de Oliveira e Roselei Bertoldo, religiosas da Congregação do
Imaculado Coração de Maria, que coordenam o núcleo da capital amazonense e de
lá se fazem presentes em diferentes lugares. É aqui onde se concentram muitas
das mulheres, boa parte delas menores, da Região Norte do país para depois ser
levadas, a maioria das vezes enganadas, para fazer parte das redes de
prostituição, tanto dentro quanto fora do país.
Os testemunhos que elas contam nos levam a descobrir a crueldade deste tipo
de crimes. Situações arrepiantes, como a mãe que leva sua filha adolescente
para ser explorada no porto de Manaus, reconhecendo em prantos que é o único
jeito de poder comer e que faz isso porque ela, que sendo adolescente já era
levada pela própria mãe, com trinta e poucos anos, já e considerada velha e é
rejeitada pelos criminosos que participam deste tipo de sacanagens. ¿Como
reagir diante destas situações? ¿Como ser presença de Deus no meio daqueles que
sem nenhuma dúvida são os últimos dos últimos?
Do mesmo modo, contam a situação das mulheres que são levadas nos garimpos
no Suriname, dizendo que vai ser cozinheiras, e chegando lá se tornam escravas
sexuais dos trabalhadores, com poucas possibilidades de fugir de um lugar aonde
chegaram após dias ou semanas de viagens em caminhos que nem conhecem e sem
dinheiro no bolso. A mesma coisa daquelas que são enviadas para Europa e caem
nas redes de prostituição e se tornam escravas sexuais.
O último caso veio à luz no sábado 6 de junho. Com a colaboração das
associações italianas “Il Mantello” e “Liberaziones e Speranza”, que
previamente tinham sido acionadas pela “Rede um Grito pela Vida”, foi libertada
uma jovem de 20 anos, que tinha saído de Rio Branco, capital do Acre, para
trabalhar como empregada doméstica na casa de uma família italiana, com a
promessa de receber um salário muito acima do que poderia ganhar no Brasil.
Chegando lá se tornou escrava sexual. Só um número a mais numa estatística que
permanece por muito tempo.
Ou as adolescentes e jovens que, sem possibilidade de estudar nas
comunidades do interior onde moram, são acolhidas por familiares ou amigos da
família na cidade, para se tornar empregadas domésticas sem salário e satisfazer
os desejos sexuais dos homens da casa.
Mudar as coisas não é fácil, pois o povo tem medo de denunciar estas
situações que são conhecidas por todos. Tem muito “peixe grande” implicado e
falar pode se pagar com a vida. Empresarios, políticos, representantes dos
diferentes poderes fazem parte deste esquema criminal, que ameaça abertamente a
quem tem coragem de denunciar. Assim aconteceu com Dom Azcona, bispo da
Prelazia do Marajó, e com muitos outros que se encontram na mesma situação,
ameaçado de morte desde há vários anos, mas que renunciando à proteção policial
tem se tornado um verdadeiro profeta da luta na defesa dos direitos sociais e
da vida do seu povo, a partir da fé e a esperança em que as coisas possam
mudar.
O clamor de tantas pessoas, sobretudo mulheres, adolescentes, meninas, faz
que a vida religiosa queira ser voz profética no meio daquelas que indefesas imploram
vida e dignidade. Uma presença que hoje se faz precisa para continuar sendo
presença do Amor de Deus nas periferias.
Luis Miguel Modino
Versão em
espanhol publicada em:
http://blogs.periodistadigital.com/luis-miguel-modino.php/2015/06/09/trata-de-personas-la-vida-religiosa-se-h