quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Tráfico humano na Amazônia: modalidades e enfrentamento



Apontado como um dos principais desafios na região Amazônica que comporta o regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o tráfico humano é uma realidade com diferentes facetas e que exige empenho no seu enfrentamento. Membro da Rede Um Grito Pela Vida, uma iniciativa intercongregacional da vida religiosa consagrada, irmã Rose Bertoldo, que também faz parte do Comitê Local da Rede Eclesial Pan-Amazônica/Repam Brasil, conta, em entrevista, as ações que têm sido desempenhadas e planejadas para encarar os desafios deste.

“Ao longo de sete anos de trabalho da Rede Um Grito Pela Vida no Amazonas, tem tido como prioridade dar visibilidade e sensibilizar a sociedade em geral para a realidade do tráfico de pessoas na região, onde a sociedade muitas vezes não reconhece tal realidade”, afirma a religiosa.

A realidade do tráfico com a crise migratória gerada pelo êxodo venezuelano também é abordada, uma vez que exige ações específicas. “É preciso chegar junto aos exploradores e aos explorados e dar visibilidade de que isso é um crime, um crime que rouba das pessoas os sonhos de uma vida digna, de serem respeitados, por isso, é necessário esse enfrentamento para que vidas sejam cuidadas”, sinaliza.

Na entrevista, irmã Rose também projeta o futuro, a partir das decisões da última assembleia regional de Pastoral, realizada em setembro.

Confira na íntegra:

O tráfico humano tem sido apontado como um dos principais desafios na região Amazônica que comporta o regional Norte 1 da CNBB. O que tem sido encontrado nesta realidade?

Ao longo de sete anos de trabalho da Rede Um Grito Pela Vida no Amazonas, tem tido como prioridade dar visibilidade e sensibilizar a sociedade em geral para a realidade do tráfico de pessoas na região, onde a sociedade muitas vezes não reconhece tal realidade, vê simplesmente como uma violência. Ao falar de tráfico de pessoas nesta região, é preciso reconhecer que são crimes que se interligam com o tráfico de drogas e de armas. As três modalidades que mais têm casos são para fins de exploração sexual, mulheres, meninas e homossexuais; trabalho escravo e trabalho degradante, exploração da mão de obra, homens jovens, agora com denuncia dos venezuelanos e o desaparecimento de crianças, que suspeitamos que seja para o tráfico de órgãos. Outra modalidade que temos encontrado nas atividades de prevenção em sala de aula é o aliciamento de meninos, adolescentes para o tráfico de drogas, eles são obrigados a entrar no mundo do crime, sob ameaça. São realidades muito duras e cruéis que requer de nós um árduo trabalho de prevenção para que as pessoas não caiam nas armadilhas deste crime.

Neste período, a Rede acolheu 43 casos, destes, 16 foram relatos e 27 foram encaminhados para as instituições responsáveis com acompanhamento da Rede. Chegam até nós os casos mais extremos e na grande maioria quando são realizadas atividades de prevenção, onde as pessoas ouvem falar e tem coragem de buscar ajuda.

Neste sentido, quais ações têm sido desempenhadas e planejadas para encarar os desafios do tráfico humano?

A Rede Um Grito Pela Vida atua a partir dos eixos: Sensibilização e prevenção, formação de lideranças, incidência política, encaminhamento dos casos e comunicação. Realiza o trabalho de prevenção em muitos espaços, nas escolas públicas e escolas rurais, escolas particulares, com alunos de 6 a 17 anos e com as turmas de alunos adultos do EJA; Também sensibilização e formação com professores e lideranças pastorais, indígenas, mulheres, com futuros profissionais nas universidades. Ainda neste processo de formação de multiplicadores, realiza parcerias com as pastorais da Igreja (Pastoral Familiar, catequese, da Criança, do Menor), para que incluam as temáticas em suas agendas.

A Rede ainda realiza parcerias com organizações governamentais e instituições da sociedade civil, participação em audiências públicas, fóruns e comitês e outros; Articulação com as igrejas de fronteiras no intuito de motivar e formar licenças para o trabalho em rede junto as outras instituições governamentais e não governamentais; Acento e representação nos conselhos, fóruns, comitês na busca de contribuir na construção de políticas públicas voltadas para a infância, adolescência e mulheres; e encaminhamento dos casos as instituições competentes e acompanhamento as vítimas.

Na linha da comunicação, é realizado um trabalho de dar visibilidade através das redes sociais, blogs e outros espaços o trabalho que é realizado, bem como incentivando os adolescentes e juventudes para contribuírem com essa causa, sendo multiplicadores desta temática em suas redes. Fazemos formação sobre a importância da internet e bom uso das crianças e adolescentes, bem como o cuidado para não cair nas redes de aliciamento.

A questão migratória ganhou força com a crise que tem feito milhares de venezuelanos buscarem uma vida mais digna em cidades brasileiras. De que forma esta situação influencia o trabalho de enfrentamento ao tráfico humano?
Rede Um Grito pela Vida recepciona migrantes venezuelanos

 Sabemos que a migração não é um problema, pois migrar é um direito, especialmente na situação que se encontram os venezuelanos, que estão saindo de seu país, por causa da crise. Ninguém deixa tudo para trás e vem para outro país se não for em uma situação que o leve a isso. Quem cria as situações de exploração geralmente são os que se aproveitam e exploram de maneira cruel o seu irmão, não sendo digno nas contratações, não cumprindo com os devidos pagamentos, trocando as pessoas com mercadorias, aproveitando a situação de vulnerabilidade do outro. Diante dessas situações de exploração, não podemos nos calar. É preciso chegar junto aos exploradores e aos explorados e dar visibilidade de que isso é um crime, um crime que rouba das pessoas, os sonhos de uma vida digna, de serem respeitados, por isso, é necessário esse enfrentamento para que vidas sejam cuidadas.

Para isso, é necessário o trabalho de orientação e prevenção a todas as formas de violência, principalmente das explorações e do tráfico de pessoas. A rede tem desenvolvido em parceria com outras instituições um trabalho de prevenção, com rodas de conversa sobre o tema do tráfico de pessoas, principalmente a questão da exploração sexual e o trabalho escravo.

A Assembleia do Regional Norte 1 da CNBB tratou, dentre os temas comuns às suas dioceses, do tráfico humano e da migração forçada. A proposta é contar com o apoio da Rede um Grito pela Vida. O que será feito nesses casos?

Desde 2013 a Rede Um Grito Pela Vida vem realizando um trabalho em conjunto com o Regional Norte 1, até porque fazemos parte deste território. Em 2015, o regional incluiu em suas prioridades e causas a questão do enfrentamento ao tráfico de pessoas, desde então estamos fazendo um trabalho em conjunto, sensibilizando os bispos, lideranças das dioceses e prelazias para que incluam em suas agendas esta questão do tráfico de pessoas. Algumas dioceses já deram passos significativos, por exemplo a Diocese do Alto Solimões já tem uma equipe com mais de 20 pessoas atuando com uma rede da tríplice fronteira muito bem organizada com lideranças dos três países – Peru, Colômbia e Brasil – num trabalho em conjunto de sensibilização, prevenção e encaminhamentos dos casos que surgem na fronteira.

Nestes últimos três anos, o regional assumiu três causas comuns: questão indígena, meio ambiente e migração forçada e tráfico de pessoas, o que muito contribuiu para realização de muitas ações. Destaco um primeiro seminário realizado em 2018 com esta temática atingindo um número significativo de lideranças, e por fim na assembleia, em setembro, dando continuidade a este processo foi tirado como encaminhamentos:

Migração forçada e tráfico humano.

1.Apoio às iniciativas já existentes, a partir da Rede Um Grito Pela Vida.

2.Incluir em nossos calendários as datas importantes a serem celebradas.

3.Seminário regional em 2020, prescindido de seminários nas dioceses e prelazias em 2019.

4.Encontro especifico sobre a questão migratória.

Um trabalho que é preciso dar continuidade para romper com a naturalização destas violências, principalmente o abuso, exploração sexual e o tráfico de pessoas.

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