A Venezuela enfrenta
uma violenta crise política, econômica e social que avança e se configura como
uma grande crise humanitária, já comparada em números e forma com a crise
humanitária da Síria. O êxodo dos
venezuelanos afeta diretamente o Brasil, de maneira especial dois estados:
Amazonas e Roraima, mas também a Colômbia.
Pela proximidade das
fronteiras, os imigrantes e refugiados entram no Brasil pelo município de
Pacaraima, em Roraima, cuja população local não ultrapassa os 12 mil
habitantes. De lá, a maioria segue para Boa Vista, a menor capital em número
populacional do Brasil.
Fome, famílias e
mulheres grávidas vivendo nas ruas, desnutrição, crianças fora da escola,
insalubridade nos abrigos, e xenofobia, esta é a condição dos imigrantes e
refugiados que estão vivendo precariamente no norte do país.
As necessidades básicas
dos imigrantes que atravessam a fronteira diariamente vão desde alimentação,
medicamentos e abrigo, até o acesso aos procedimentos burocráticos necessários
para obter documentos provisórios. Em Boa Vista, eles formam longas filas em
frente à sede da Polícia Federal para pedir o status de refugiados e
conseguirem os documentos para trabalhar regular no Brasil.
Atenta a essas
realidades, a Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao
Tráfico Humano (CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
realizou entre os dias 01 a 04 de março de 2018, nas cidades de Boa Vista e
Pacaraima (RR), a missão “Fronteiras Brasil/Venezuela” da qual participaram o bispo da diocese de Balsas
(MA) e presidente da CEPEETH, dom Enemésio Lazzaris, o bispo auxiliar da
arquidiocese de Porto Alegre (RS) e membro da CEPEETH, dom Adilson Pedro Busin, o assessor da CEPEETH frei Olavio Dotto e a
secretária, irmã Claudina Scapini. Também fizeram parte da comitiva os colaboradores
nomeados pela CNBB, representantes da Comissão Justiça e Paz-Regional Norte 2
da CNBB; Secretário Executivo do Regional Norte 1 da CNBB; Setor Mobilidade
Humana da CNBB; Comissão Pastoral da Terra(CPT); Instituto Migrações e Direitos
Humanos (IMDH); Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM); Cáritas Brasileira;
Rede Um Grito pela Vida da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB); Pastoral
dos Migrantes (SPM); Pastoral do Menor e Rede Eclesial Pan-Amazônica
(Repam-Brasil).
Na carta divulgada, o
grupo fala da situação dos imigrantes venezuelanos que neste momento precisam
de tudo, desde itens básicos de alimentação, higiene e saúde, até emprego e
condições dignas de abrigamento ou moradia: “Esse cenário tão desolador nos
interpela para ações e posicionamentos pessoais e coletivos de acolhida,
solidariedade e incidência política de forma articulada em âmbito local,
estadual e nacional. Por isso, em nome da CEPEETH fazemos um veemente apelo às
igrejas e à sociedade a uma maior solicitude para com estes nossos irmãos e
irmãs imigrantes e refugiados”. Diz um trecho da Carta, que também aponta para
iniciativas coletivas ou individuais.
Leia na íntegra a Carta divulgada após a
missão:
Boa Vista – Roraima, 04
de março de 2018
Carta à sociedade Brasileira
“Eu vi a opressão de
meu povo, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de
seus sofrimentos” (Ex 3,7-8).
Nós, integrantes da
Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano
(CEPEETH) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizamos entre
os dias 01 a 04 de março de 2018, nas cidades de Boa Vista e Pacaraima (RR), a
missão “Fronteiras Brasil/Venezuela”. A mesma teve como objetivo conhecer in
loco a situação que envolve a imigração atual na fronteira entre o Brasil e a
Venezuela, em especial para verificar a ocorrência do tráfico humano e ser
presença solidária e profética.
Foram realizadas
visitas na fronteira Brasil/Venezuela, nos abrigos dos indígenas Warao em
Pacaraima e Pintolândia, e Tancredo Neves em Boa Vista, abrigo para os
venezuelanos; audiências com a Policia Federal e com a Governadora do Estado;
reuniões com os bispos de Roraima, dom Mário Antônio Silva e o bispo de Santa
Elena de Uiarén-Venezuela, dom Felipe González González e com o Pároco da
Igreja Sagrado Coração de Jesus em Pacaraima, padre Jesús López Fernández; com
as Pastorais Sociais, o Comitê Estadual de Enfrentamento a Exploração Sexual e
Tráfico de Pessoas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e outras organizações da
Sociedade Civil. Infelizmente não conseguimos diálogo com a prefeita do
município de Boa Vista.
Participamos, ainda, de
entrevistas em programas de rádio e televisão. Na oportunidade, celebramos com
as comunidades da Paróquia Nossa Senhora da Consolata e da Catedral de Cristo
Redentor.
Essas atividades nos
colocaram em contato com uma realidade cruel e desumana que grita por respostas
rápidas, eficazes e articuladas das igrejas, do estado e da sociedade em geral.
Nossos olhos viram:
longas filas de imigrantes e refugiados em busca de documentação, transporte,
alimentação e trabalho; crianças famintas, desnutridas, doentes, sem escola; juventude desocupada e sem
perspectiva de futuro, exposta à
drogadição e todo tipo de vulnerabilidades; mulheres vítimas da violência, da
exploração sexual e do trabalho laboral; pessoas inescrupulosas explorando a
miséria dos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados no trabalho e alterando os
preços dos alimentos e outras mercadorias. Impressionou-nos sobremaneira a
visita ao abrigo Tancredo Neves, o “Tancredão”, pelo estado de total abandono e
degradação da dignidade humana.
Nossos ouvidos ouviram:
lamentos de dor e denúncias de situações graves de violação dos direitos e
falta de políticas públicas elementares como alimentação, saúde, higiene,
segurança, educação; denúncias de violência policial, violência contra a
mulher, exploração sexual e do trabalho, tráfico de drogas e de pessoas e de
completa omissão do poder público.
Nosso coração sentiu:
profunda indignação diante dessa desumana e injusta realidade ao constatar a
ausência e descompromisso dos poderes constituídos em dar respostas; de
averiguar que a preocupação com a beleza das praças tem mais importância que o
cuidado à pessoa humana; de escutar expressões discriminatórias em relação aos
migrantes e refugiados e de entender o quanto nos falta para viver o Projeto de
Deus que nos faz todos irmãos e irmãs.
Em meio a esta gritante
realidade também vimos e ouvimos com alegria e esperança muitas ações fraternas
e solidárias de pessoas, famílias, grupos, igrejas e instituições da sociedade
civil; apoio de instituições internacionais e uma grande abertura e dedicação
da Igreja local assumindo de forma prioritária o serviço aos imigrantes e
refugiados.
Esse cenário tão desolador nos interpela para
ações e posicionamentos pessoais e coletivos de acolhida, solidariedade e
incidência política de forma articulada em âmbito local, estadual e nacional.
Por isso, em nome da
CEPEETH fazemos um veemente apelo às igrejas e à sociedade a uma maior
solicitude para com estes nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados. Nesse
sentido conclamamos a todos para:
- Maior sensibilização e envolvimento com esses
nossos irmãos e irmãs, através de práticas de serviços voluntários;
- Participação efetiva e generosa na campanha
de solidariedade da CNBB em favor dos imigrantes e refugiados venezuelanos;
- Mobilização e incidência política junto aos
órgãos públicos, nacionais, estaduais, municipais para que assumam seu papel de
viabilizar as políticas públicas e a garantia dos direitos desses nossos irmãos
e irmãs;
- Realizar e/ou participar de campanhas
educativas permanentes sobre migração e tráfico humano no conjunto das
organizações das igrejas e da sociedade.
A Palavra de Deus, ao
afirmar que “somos todos irmãos e irmãs” (cf Mt 28,7) nos impele a vivermos a
fraternidade como caminho de superação de todas as violências e desigualdades.
Reconhecemos e agradecemos a grandeza de espírito das muitas pessoas que,
sensíveis às dores desses nossos irmãos e irmãs imigrantes e refugiados, já estão
dando sua contribuição.
Que Nossa Senhora
Aparecida interceda junto a Deus por todos/as a fim de que nos empenhemos
firmemente nessa missão de “acolher, proteger, promover e integrar” nossos
irmãos e irmãs imigrantes e refugiados em nossa pátria.
Dom Enemésio Lazzaris
Bispo de Balsas (MA)
Presidente da Comissão
Episcopal Pastoral Especial
para o Enfrentamento ao Tráfico Humano/CNBB
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